26 fevereiro 2021

A Menina Santinha

Naquela sexta-feira, toda a região que vai do Tabocal até o Quem Dera, amanheceu sob forte chuva. Do nada, uma surpreendente trovoada desde a madrugada acordava a gente e os bichos com estrondosos trovões e os fachos de luz dos relâmpagos abriam clarões no breu fazendo o dia surgir mais cedo e com ele, a labuta daquele povo.

Não há intempérie que mude o ritmo ou altere a rotina daquelas pessoas. Chova ou estie, o vaqueiro tem que estar no curral às 3h para tirar o leite da vacaria. Às 6h, pontualmente, passa o caminhão que levará o produto para a fábrica de laticínios. Às 5 da manhã já é intenso o movimento de homens e mulheres na estrada para a lida. Junto com eles os primeiros bom dia, as primeiras conversas e as primeiras notícias.

          - A Japratuba encheu e não tá dando passagem.

          - Soube que roubaram o galo de Matias?

          - Maura de Maneca fugiu com Anselmo de Ataíde.

      Incrível como num lugar daqueles, num tempo em que a única comunicação com o mundo exterior era através do imenso rádio Philco de Tonho de Cajuza, ao redor do qual inúmeras pessoas se juntavam depois do almoço para ouvir o Informativo Cinzano de Silva Lima, o povo, já tão cedo sabia de tudo o que tinha acontecido durante a noite. Mas a grande notícia daquela sexta feira, a que estrondou mais que os trovões, a que caiu como um raio no meio daquela comunidade foi dada por Doralice de Zé Pimenta:

          - Santinha tá prenha!

          - O quê? – espantou-se Zefa de Chico Carreiro.

- Não pode ser verdade – falou Beata de Mané Tiúba sem acreditar.

- Deve ser algum engano – duvidou Jacira de Zé Macaxeira.   

Fosse Doralice alguém que gostasse de futrica, de lero-lero, de conversa mole, de ficar com nhenhenhém, ninguém acreditaria, mas ela era muito respeitada por todos da Lagoa do Meio. Era de casa pra roça e da roça pra casa. Não se metia na vida de ninguém. Era uma mulher de sim, sim, não, não.

           Maria das Graças era chamada de Santinha, porque seu nascimento com vida era fruto de um milagre. Conta a lenda que sua mãe, Divina, que já havia parido outros 18 filhos antes de Santinha, nem percebeu que já estava nos dias de parir e foi pra roça. Era inverno e chovia quando ela sentiu um movimento estranho. Era Santinha que simplesmente saiu do ventre, escorregou pelas pernas da mãe e caiu numa poça d’água.  Quando Divina a apanhou do chão ela não chorou e já não respirava. Nasceu morta – pensou Divina - e ali mesmo fez uma promessa a Nossa Senhora das Graças, padroeira da Lagoa do Meio, de quem era devota: se sua filha ressuscitasse seria batizada com o nome da Virgem, seria sua devota e viraria freira. Naquele instante a criança abriu os olhos, começou a tossir, gorfou a água da poça que engolira e finalmente chorou. Assim se deu o milagre que fez a menina Maria das Graças renascer. Tinha que viver para pagar a promessa e assim foi criada. Para ser santa.

A vida de Maria das Graças era de casa para a escola e para a igreja. Em casa, dos trabalhos domésticos para os estudos e para a bíblia. Já havia os preparativos para mandá-la para o convento da ordem Imaculada Conceição em Capela, onde ela se tornaria freira, cumprindo assim o seu destino.

     Naquele fim de mundo, jamais passou pela cabeça de alguém, por mais maldoso que fosse que Santinha não seria, um dia, santificada. Aliás, para muitos, Maria das Graças já era uma santa em carne e osso. Por isso, o anúncio de sua gravidez provocou um sentimento de incredulidade, estupefação e assombro em todos daquele lugar.

 Fosse Maria Madalena, sua irmã mais nova, chegada a uns namoricos no fundo da igreja, ninguém estranharia. Mas, Santinha!

 Eu tinha oito anos à época e estudava na mesma escola das meninas Maria das Graças e Madalena. Elas mais adiantadas, já eram mocinhas. Lembro que, não entendendo toda aquela comoção, perguntei a minha mãe o que tinha acontecido a Santinha ao que ela me respondeu:

 - Fizeram mal a ela - respondeu minha mãe encerrando a conversa com um olhar que eu conhecia muito bem. Naqueles tempos, menino não se metia em conversa dos adultos. Muito menos fazendo perguntas embaraçosas. Para entender finalmente os detalhes da desdita de Santinha eu teria que conversar com os moleques colegas da escola.

 No domingo, mal amanhecido o dia, lá vinha o Louro, um garoto sarará, batendo de porta em porta, convocando todos em nome do Sr. Raul Seabra, para uma reunião na igreja para discutir a gravidez de Maria das Graças. Raul era um fazendeiro que representava para aquelas comunidades o padre e o delegado. Muito religioso, o cristão Raul rezava a missa, ouvia as queixas dos comunitários e ainda dava lições de moral e bons costumes.

  Às 10h em ponto Raul abre a reunião. A igreja estava lotada. Todo mundo estava lá. Dona Divina e Seo Jurandir, os pais de Santinha, sentados na primeira fila recebiam a atenção de todos. Sá Jovina arriscou-se a comparar a gravidez de Santinha à da Virgem Maria. Desistiu da tese ante a ameaça de Raul Seabra excomungá-la. Quando a reunião já ia dando sinais de cansaço, eis que alguém grita:

- É ela! - era ela. Barriga acentuada de quatro meses, num vestido azul turquesa tão comprido que escondia os tornozelos e um véu branco que deixava a mostra apenas os olhos o nariz e a boca.

 - Ainda é uma santa – sussurrou Dona Jovem para que o Sr. Raul não a ouvisse. Santinha caminhou até o pedestal em frente ao altar, fez o sinal da cruz e virando-se para o público, falou:

 - Sou inocente. Fui vítima de uma trama diabólica. Naquele sábado da quermesse meus pais e meus irmãos saíram para a igreja e eu fiquei sozinha em casa lendo a bíblia. De repente me senti zonza e adormeci. Foi Amintas de Zé Cornélio que, fumando um cigarro de maconha soprou a fumaça no buraco da fechadura do meu quarto e me emaconhou. Daí em diante eu não vi mais o que aconteceu. Agora estou aqui nessa situação para pedir o perdão e as graças da Virgem.

 Todos acreditaram e se compadeceram com o drama de Maria das Graças e nunca perdoaram o seu algoz, o anticristo Amintas. Este virou caminhoneiro, pegou a Rio-Bahia e sumiu no oco do mundo. Nunca mais pisou na Lagoa do Meio.  

          Santinha não foi para o convento. Pariu e criou seu filho trabalhando na roça como seus pais. Se aposentou como trabalhadora rural e hoje mora na cidade onde cuida dos netos. Outro dia a vi sentada num banco da Praça do Amparo. Ainda parecia uma santa. 


23 fevereiro 2021

Bandoleiros

Quem assistiu ao documentário Doutor Castor, em exibição no Globoplay, deve ter ficado boquiaberto com a ousadia do crime organizado e suas relações promiscuas com as instituições. Só comparável com a máfia italiana ou com O Poderoso Chefão retratado em livro por Mario Puzzo e no cinema pelo genial Francis Ford Coppola.

Mas você está pensando que aquilo que está na literatura e no cinema só acontece no submundo? Como diria aquele nosso amigo baiano, “sabe nada inocente”. Vocês precisam conhecer os diálogos revelados pela apuração da Operação Spoofing e que mostram a bandidagem, promiscuidade e o crime organizado pelos componentes da Orcrim Lava a Jato.

Alguns jornalistas, aqueles mais comprometidos com a profissão, têm divulgado o “show de horrores”, verdadeiras ações criminosas cometidas por delegados, procuradores e juízes, autênticos Foras da Lei, que compuseram a Operação Lava a Jato.

Um exemplo disso foi a atuação da delegada da Polícia Federal, Erika Merena, que inclusive passou um tempo aqui em Sergipe, num caso que se revelou numa das mais infames operações da Lava a Jato: a invasão cinematográfica do campus da Universidade Federal de Santa Catarina, onde prendeu e humilhou professores e levou o reitor Luiz Carlos Cancellier ao suicídio.

Não foi só isso. A delegada cometeu crime pior. Segundo diálogos entre os comparsas da organização criminosa Lava a Jato, revelados pela Operação Spoofing, a delegada Merena forjou e assinou depoimento que jamais ocorreu e tudo com a anuência dos procuradores de Curitiba e o silêncio cúmplice de outros tantos pelo Brasil afora que participavam do famoso grupo no Telegram.

Vejam o que diz o sub chefe da quadrilha (o chefe era o juiz Sérgio Moro) Deltan Dallagnol. “Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada... Dá no mínimo uma falsidade... DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos", afirmou o procurador. Na sequência seu colega, Orlando Martello Júnior alerta para o risco do descrédito. Sugere como saída convocar a testemunha para que faça um depoimento real. "Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere", sugere, referindo-se à delegada.

Pensam que foi a única vez que a turma da Lava Jato cometeu essa barbaridade? Ledo engano. "O mesmo ocorreu com Padilha e outros", afirma Martello Jr. "Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia que não vimos. Confiamos nos advs e nos colaboradores. Erramos mesmo!"....

Os "erros" de que fala o procurador são na verdade uma sequência de crimes. A delegada Érika Marena inventou um depoimento e o mesmo aconteceu com outras testemunhas (por ela e ou por outros delegados).

É o próprio Deltan quem afirma que isso é no mínimo falsidade ideológica, mas pode ser enquadrado em vários outros artigos. Junto com Marena, todos os procuradores que souberam desse absurdo e não denunciaram a delegada, prevaricaram e são cumplices do crime cometido por ela.

É esse o Brasil que temos hoje. Depois de um gigantesco esforço de gerações que lutaram - alguns até deram a vida - para termos uma nação livre do arbítrio e democrática, eis que surge um bando de gente paga pela sociedade para defender a liberdade e a legalidade, preocupado com vendetas e em proteger apenas os seus num tenebroso espirito de corpo.

Espera-se agora que aqueles que, por ingenuidade ou por mau-caratismo, confundiram justiçamento com justiça e viviam a aplaudir a Lava a Jato, acordem para realidade e parem de bater palmas para bandido dançar. Senão tratem de lavar suas mãos. Elas também estão sujas de sangue. 

19 fevereiro 2021

Lourival na Capela

Em 1970 o então governador Lourival Baptista resolveu fazer uma experiência de governo itinerante. Juntou seus secretários, alguns seguranças, duas dúzias de aspones e foi para o interior.  

Uma das primeiras cidades contempladas com a presença do governador e a instalação do seu governo andante foi a minha querida Capela. Ficou lá durante uma semana. Se instalou na casa do então prefeito Manoel Souza onde recebeu e prestigiou seus correligionários das Arenas 1 e 2, e mandou recados hostis para a oposição representada pelos quatro gatos pingados do velho MDB. Entre outras ações ao lado do prefeito, Lourival visitou o conceituado Colégio das Freiras e as obras sociais do monsenhor Eraldo.

Foi uma semana de festa na cidade. Além das lideranças políticas das cidades vizinhas, vinha gente de todo lugar. Aproveitando um pau de arara que o prefeito mandou para trazer gente da Lagoa do Meio, a família de João de Sá Juvina com seus 22 filhos, genros, noras e netos veio toda. Lembro de vê-los em volta de uma mochila de farinha seca com banana e cará assado, almoçando sentados embaixo da águia (um obelisco em homenagem a Graccho Cardoso) na praça XV de Novembro que estava lotada de curiosos. Tinha mais gente que na Festa de Fevereiro.

A rua do Quiço, onde eu morava, ficava nos fundos da casa do prefeito, aquela que agora era a sede do governo onde Lourival despachava. Aquilo estava um verdadeiro rebuliço de seguranças, cozinheiras, faxineiros e serviçais de toda ordem entrando, saindo e atiçando a curiosidade de todos nós. Nosso vizinho, Seo Nélson da Pipoca, trabalhou muito naqueles dias. Saia de casa mais cedo e voltava mais tarde. Sua banca na praça XV que oferecia um pouco de tudo, vendeu como nunca.

Um belo dia, depois de comer o famoso carneiro com ervas de Dona Carmosa e se deliciar com a maravilhosa cocada de Chico Rico na sobremesa, o governador Lourival Baptista começou a atender os pedidos dos apadrinhados dos líderes políticos locais. Lá pelas tantas, entre bocejos e cochilos, o governador recebe José Aprígio Cabral de Souza Menezes Filho.

Com esse nome de príncipe herdeiro do trono de Portugal, José Aprígio era conhecido de todos pela alcunha de Zé da Jega. Claro que não será possível dizer aqui a razão para esse nome. Só posso dizer que ele era dela assim como o céu é do condor.

José Aprígio era filho de um velho usineiro que ao morrer deixara a usina como herança para seus 12 filhos que além de não gostarem de estudar, nunca deram um prego numa barra de sabão. Não deu outra: o negócio faliu. Àquela altura, tirando as irmãs mais velhas que casaram com uns doutores das bandas da capital, os outros, fruto de favores dos políticos, já estavam empregados no estado. Só sobrara Zé da Jega. Até porque o Zé não era muito afeito ao mundo do labor. Ele dedicava todo seu talento a arte do ócio. Mas a fonte secou e ele foi aconselhado a procurar socorro junto ao governador.

O coronel José Aprígio, pai de Zé da Jega, gostava muito de política, embora nunca tenha se candidatado a nenhum cargo eletivo, mas, certamente pela autoridade de senhor de engenho, era sempre procurado pelos chefes políticos do estado para pedir-lhes apoio. E geralmente quem ele apoiava ganhava a eleição.

Por isso Zé da Jega estava ali, diante do governador Lourival Baptista, para pedir essa reparação histórica.

- Pois não Sr. José, o que o senhor deseja? - pergunta o governador.

- Governador, eu vim em nome da memória do meu pai que o senhor tanto o conheceu pedir-lhe uma colocação no estado. - falou o Zé

- Qual a sua formação, José? – indaga Lourival

- Primário incompleto, mas estou me preparando para fazer o madureza. Tenho também o curso de detetive particular feito por correspondência pelo Instituto Universal Brasileiro – respondeu Zé sem pestanejar.

 - Fale-me de sua experiência profissional, Sr. José? – argui Lourival já com uma certa impaciência.

- Bem, doutor Lourival, experiência mesmo, ali onde eu domino e sou bom de verdade, sem falsa modéstia, é no bilhar e no bacará de Seo Pedrinho. – redarguiu Zé da Jega sem nenhum pejo.

 - Meu filho, onde o senhor acha que se sairia melhor no estado? – pergunta Lourival, a essa altura, doido pra se livrar daquele insolente e deixando o rapaz bem à vontade para escolher seu emprego.

- Governador, de acordo com as minhas aptidões eu estou convencido de que seria um ótimo fiscal de renda aposentado. - Reivindicou Zé Aprígio.

Lourival que cochilava, arregalou os olhos, chamou o ajudante de ordens, mandou recolher as tralhas, desarmar o circo e retornar imediatamente para a capital. Acabou ali a experiência de governo itinerante.


   * Este texto faz parte de série Dez Contos de Memória, de minha autoria. Nele há personagens reais e fictícios.               

18 fevereiro 2021

Elogio a Loucura

Erasmo de Rotterdam, um humanista e teólogo que viveu durante a idade média, escreveu o livro Elogio a Loucura em 1509 e este foi publicado em 1511. A obra é uma sátira a sociedade dos séculos XV e XVI e Erasmo tinha por objetivo fornecer uma nova visão eclesiástica e renovar a igreja. Seu escrito acabou tornando-se atemporal.

No texto, a Loucura é apresentada como uma divindade, faz seu próprio elogio e se demonstra a deusa da humanidade. É com uma boa dose de ironia que o humanista denuncia males reais, como a ingratidão, a hipocrisia e a intolerância.

Qualquer semelhança daqueles tempos trevosos com esse raiar do século XXI, pode até parecer, mas não será mera coincidência. Além da hipocrisia e da intolerância, nos dias atuais estamos vivendo o auge da idiotia. Podemos ouvir diariamente a voz da Deusa Loucura através das decisões oficiais do judiciário traduzidas nas manchetes igualmente insanas dos jornais. A imagem da deusa pode ser encontrada na fisionomia tresloucada de Damares e sua ubiquidade pode ser sentida na voz mórbida do Messias, no pastor que esbofeteia sua esposa, no padre pedófilo que abusa de crianças, no policial preto que mata jovens negros ou no simples cidadão que humilha seu semelhante em nome de Deus e da família cristã.

O humanismo que começou na Itália como um movimento literário e filosófico na segunda metade do século 14 e que foi a base ideológica do Renascimento, constitui-se do reconhecimento do valor do homem na sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo na natureza e na história. A perspectiva humanista entende o homem como ser formado de corpo e alma, destinado a viver no mundo e a dominá-lo. Nesse sentido, o humanismo muda a concepção do pensamento vigente na Idade Média, deixando de lado a metafísica e dando relevância ao conhecimento das leis, da natureza, da medicina e da ética. Isso constitui a base da ciência moderna.

Se a Deusa Loucura provocou a Revolta dos Idiotas fazendo-nos voltar à Idade Média, claro está que urge um Renascimento II. Precisamos urgentemente voltar à razão e recuperarmos o humanismo perdido. Antes que viremos bichos. 


Engoli a corda

O jornalista Jozailto Lima, em seu site JL Política, me fez uma provocação que, depois de muito pensar se valia a pena, eu resolvi aceitar. O experiente jornalista me cobra uma atitude sobre a posição do PT nas eleições das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado. Nessa cobrança Jozailto sugere falta de coerência - minha e de outros quadros petistas – e para isso argumenta com minha postura de oposição ao atual prefeito Edvaldo Nogueira nas eleições passadas.

Em primeiro lugar é preciso compreender a diferença entre as disputas citadas. Enquanto nas eleições municipais estavam em jogo os projetos de governo para toda a cidade e sua população, as eleições para as mesas da Câmara e Senado são interna corporis. Diz respeito a administração daquelas casas e obedecem a uma lógica própria da ocupação de espaço das bancadas.
Citarei dois exemplos para tentar ser mais claro. O primeiro eu fui buscar no longícuo ano de 1987 do século passado, na eleição para a mesa da Assembleia Legislativa de Sergipe, o PT com uma bancada de 02 deputados resolveu compor a chapa do governo Valadares que tinha como candidato a presidente o deputado Guido Azevedo. Como agora, também gerou muita polêmica. Muitos na imprensa e até no próprio PT diziam que Déda tinha se vendido a Valadares. Guido foi eleito presidente da ALESE, Marcelo Ribeiro (PT) eleito 1° secretário (segundo cargo mais importante da mesa) e Déda foi o mais competente e duro opositor ao governo que Sergipe já viu. Passado o tempo é possível avaliar a relevância de ter um homem da envergadura ética de Marcelo Ribeiro na mesa diretora da ALESE enfrentando as mazelas próprias daqueles tempos de tenebrosos trens da alegria e outras formas de locupletação.
O segundo exemplo é mais recente. Data de 2015 e remete a eleição da Câmara dos Deputados. A bancada do PT, tomado por esse mesmo udenismo que motiva o nobre jornalista, resolver bancar a candidatura do deputado Arlindo Chinaglia contra Eduardo Cunha. O resultado todos conhecemos. Chinaglia, como já era esperado perdeu, o PT ficou sem espaço na mesa e nas comissões deixando o caminho livre para Cunha articular sem nenhum obstáculo, o golpe que derrubou Dilma.
Então, amigos, votar no Baleia Rossi e no Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado, não significa aliança com Bolsonaro. Não significa que Baleia, Rodrigo Maia e tantos outros tenham recebido indulto e que nós esquecemos o que eles fizeram no verão passado. Não. Significa o PT e a esquerda oposicionista ocuparem lugares estratégicos no comando daquelas casas. É a política com suas táticas e estratégias.
Portanto, sim, eu apoio a decisão das bancadas do PT na Câmara e no Senado. Parafraseando James Carville, é a política, estúpido.
Por fim, em relação a minha oposição a candidatura de Edvaldo nas eleições passadas, repito pela enésima vez, se deu por razões programáticas e não por causa de suas alianças. Aliás, o próprio Edvaldo corroborou minha crítica ao dizer no mesmo JL “não sou esquerda nem direita”, ou seja, se tornou um sem lado. Nunca critiquei Edvaldo por seus aliados, até porque, quase todos eles já foram nossos aliados um dia (aqui e alhures). A diferença é que eram aliados sob o nosso projeto político ideológico.
Ademais eu sou um aliancista convicto. Aprendi lendo a história. Aprendi lendo Guerra Civil e sobre a aliança de Júlio César/Crasso/Pompeu. Aprendi com a aliança do velho e bom Luiz Carlos Prestes com Getúlio (mesmo depois deste ter mandado sua companheira Olga para as câmaras de gás de Hitler). Aliança que possibilitou tirar o PCB da ilegalidade e abrir caminho para a eleição de uma bancada substantiva de deputados constituintes do Partido Comunista em 46. Aprendi com Lênin que dizia que a política não é uma linha reta como a avenida Nevski em São Petersburgo. Aprendi com Marcelo Déda que fez aliança com todo mundo, mas nunca mudou de lado e nunca perdeu o rumo. E o principal: ao contrário de muitos políticos contemporâneos, Cézar, Prestes, Lênin, Déda me ensinaram que política se faz com ideologia e cérebro, não com projetos pessoais e vísceras.
Quanto a mim, é possível que me vejam mudando de posição. É tático. Mas nunca me verão mudar de lado. É estratégico.

Calma, Cocada!

  Havia um tempo em que as reações às movimentações políticas do PT eram sutis, maduras, comedidas, porque não dizer, mais inteligentes. Atu...