19 fevereiro 2021

Lourival na Capela

Em 1970 o então governador Lourival Baptista resolveu fazer uma experiência de governo itinerante. Juntou seus secretários, alguns seguranças, duas dúzias de aspones e foi para o interior.  

Uma das primeiras cidades contempladas com a presença do governador e a instalação do seu governo andante foi a minha querida Capela. Ficou lá durante uma semana. Se instalou na casa do então prefeito Manoel Souza onde recebeu e prestigiou seus correligionários das Arenas 1 e 2, e mandou recados hostis para a oposição representada pelos quatro gatos pingados do velho MDB. Entre outras ações ao lado do prefeito, Lourival visitou o conceituado Colégio das Freiras e as obras sociais do monsenhor Eraldo.

Foi uma semana de festa na cidade. Além das lideranças políticas das cidades vizinhas, vinha gente de todo lugar. Aproveitando um pau de arara que o prefeito mandou para trazer gente da Lagoa do Meio, a família de João de Sá Juvina com seus 22 filhos, genros, noras e netos veio toda. Lembro de vê-los em volta de uma mochila de farinha seca com banana e cará assado, almoçando sentados embaixo da águia (um obelisco em homenagem a Graccho Cardoso) na praça XV de Novembro que estava lotada de curiosos. Tinha mais gente que na Festa de Fevereiro.

A rua do Quiço, onde eu morava, ficava nos fundos da casa do prefeito, aquela que agora era a sede do governo onde Lourival despachava. Aquilo estava um verdadeiro rebuliço de seguranças, cozinheiras, faxineiros e serviçais de toda ordem entrando, saindo e atiçando a curiosidade de todos nós. Nosso vizinho, Seo Nélson da Pipoca, trabalhou muito naqueles dias. Saia de casa mais cedo e voltava mais tarde. Sua banca na praça XV que oferecia um pouco de tudo, vendeu como nunca.

Um belo dia, depois de comer o famoso carneiro com ervas de Dona Carmosa e se deliciar com a maravilhosa cocada de Chico Rico na sobremesa, o governador Lourival Baptista começou a atender os pedidos dos apadrinhados dos líderes políticos locais. Lá pelas tantas, entre bocejos e cochilos, o governador recebe José Aprígio Cabral de Souza Menezes Filho.

Com esse nome de príncipe herdeiro do trono de Portugal, José Aprígio era conhecido de todos pela alcunha de Zé da Jega. Claro que não será possível dizer aqui a razão para esse nome. Só posso dizer que ele era dela assim como o céu é do condor.

José Aprígio era filho de um velho usineiro que ao morrer deixara a usina como herança para seus 12 filhos que além de não gostarem de estudar, nunca deram um prego numa barra de sabão. Não deu outra: o negócio faliu. Àquela altura, tirando as irmãs mais velhas que casaram com uns doutores das bandas da capital, os outros, fruto de favores dos políticos, já estavam empregados no estado. Só sobrara Zé da Jega. Até porque o Zé não era muito afeito ao mundo do labor. Ele dedicava todo seu talento a arte do ócio. Mas a fonte secou e ele foi aconselhado a procurar socorro junto ao governador.

O coronel José Aprígio, pai de Zé da Jega, gostava muito de política, embora nunca tenha se candidatado a nenhum cargo eletivo, mas, certamente pela autoridade de senhor de engenho, era sempre procurado pelos chefes políticos do estado para pedir-lhes apoio. E geralmente quem ele apoiava ganhava a eleição.

Por isso Zé da Jega estava ali, diante do governador Lourival Baptista, para pedir essa reparação histórica.

- Pois não Sr. José, o que o senhor deseja? - pergunta o governador.

- Governador, eu vim em nome da memória do meu pai que o senhor tanto o conheceu pedir-lhe uma colocação no estado. - falou o Zé

- Qual a sua formação, José? – indaga Lourival

- Primário incompleto, mas estou me preparando para fazer o madureza. Tenho também o curso de detetive particular feito por correspondência pelo Instituto Universal Brasileiro – respondeu Zé sem pestanejar.

 - Fale-me de sua experiência profissional, Sr. José? – argui Lourival já com uma certa impaciência.

- Bem, doutor Lourival, experiência mesmo, ali onde eu domino e sou bom de verdade, sem falsa modéstia, é no bilhar e no bacará de Seo Pedrinho. – redarguiu Zé da Jega sem nenhum pejo.

 - Meu filho, onde o senhor acha que se sairia melhor no estado? – pergunta Lourival, a essa altura, doido pra se livrar daquele insolente e deixando o rapaz bem à vontade para escolher seu emprego.

- Governador, de acordo com as minhas aptidões eu estou convencido de que seria um ótimo fiscal de renda aposentado. - Reivindicou Zé Aprígio.

Lourival que cochilava, arregalou os olhos, chamou o ajudante de ordens, mandou recolher as tralhas, desarmar o circo e retornar imediatamente para a capital. Acabou ali a experiência de governo itinerante.


   * Este texto faz parte de série Dez Contos de Memória, de minha autoria. Nele há personagens reais e fictícios.               

4 comentários:

  1. Parabéns, Silvio!
    Belo conto!
    José Augusto da Silva

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    Respostas
    1. Obrigado, João. Publicaremos toda a série, um por semana, toda sexta feira. Acompanhe.

      abração

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  2. Respostas
    1. Obrigado, Jorge. Na próxima sexta feira publicaremos mais um da série. Sua opinião é muito importante.
      Abraços

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