Em
1970 o então governador Lourival Baptista resolveu fazer uma experiência de
governo itinerante. Juntou seus secretários, alguns seguranças, duas dúzias de
aspones e foi para o interior.
Uma
das primeiras cidades contempladas com a presença do governador e a instalação
do seu governo andante foi a minha querida Capela. Ficou lá durante uma semana.
Se instalou na casa do então prefeito Manoel Souza onde recebeu e prestigiou
seus correligionários das Arenas 1 e 2, e mandou recados hostis para a oposição
representada pelos quatro gatos pingados do velho MDB. Entre outras ações ao
lado do prefeito, Lourival visitou o conceituado Colégio das Freiras e as obras
sociais do monsenhor Eraldo.
Foi
uma semana de festa na cidade. Além das lideranças políticas das cidades
vizinhas, vinha gente de todo lugar. Aproveitando um pau de arara que o
prefeito mandou para trazer gente da Lagoa do Meio, a família de João de Sá
Juvina com seus 22 filhos, genros, noras e netos veio toda. Lembro de vê-los em
volta de uma mochila de farinha seca com banana e cará assado, almoçando
sentados embaixo da águia (um obelisco em homenagem a Graccho Cardoso) na praça
XV de Novembro que estava lotada de curiosos. Tinha mais gente que na Festa de
Fevereiro.
A rua
do Quiço, onde eu morava, ficava nos fundos da casa do prefeito, aquela que
agora era a sede do governo onde Lourival despachava. Aquilo estava um
verdadeiro rebuliço de seguranças, cozinheiras, faxineiros e serviçais de toda
ordem entrando, saindo e atiçando a curiosidade de todos nós. Nosso vizinho, Seo
Nélson da Pipoca, trabalhou muito naqueles dias. Saia de casa mais cedo e
voltava mais tarde. Sua banca na praça XV que oferecia um pouco de tudo, vendeu
como nunca.
Um
belo dia, depois de comer o famoso carneiro com ervas de Dona Carmosa e se
deliciar com a maravilhosa cocada de Chico Rico na sobremesa, o governador
Lourival Baptista começou a atender os pedidos dos apadrinhados dos líderes
políticos locais. Lá pelas tantas, entre bocejos e cochilos, o governador
recebe José Aprígio Cabral de Souza Menezes Filho.
Com
esse nome de príncipe herdeiro do trono de Portugal, José Aprígio era conhecido
de todos pela alcunha de Zé da Jega. Claro que não será possível dizer aqui a
razão para esse nome. Só posso dizer que ele era dela assim como o céu é do
condor.
José
Aprígio era filho de um velho usineiro que ao morrer deixara a usina como
herança para seus 12 filhos que além de não gostarem de estudar, nunca deram um
prego numa barra de sabão. Não deu outra: o negócio faliu. Àquela altura,
tirando as irmãs mais velhas que casaram com uns doutores das bandas da capital,
os outros, fruto de favores dos políticos, já estavam empregados no estado. Só
sobrara Zé da Jega. Até porque o Zé não era muito afeito ao mundo do labor. Ele
dedicava todo seu talento a arte do ócio. Mas a fonte secou e ele foi
aconselhado a procurar socorro junto ao governador.
O
coronel José Aprígio, pai de Zé da Jega, gostava muito de política, embora
nunca tenha se candidatado a nenhum cargo eletivo, mas, certamente pela
autoridade de senhor de engenho, era sempre procurado pelos chefes políticos do
estado para pedir-lhes apoio. E geralmente quem ele apoiava ganhava a eleição.
Por
isso Zé da Jega estava ali, diante do governador Lourival Baptista, para pedir
essa reparação histórica.
- Pois
não Sr. José, o que o senhor deseja? - pergunta o governador.
- Governador,
eu vim em nome da memória do meu pai que o senhor tanto o conheceu pedir-lhe uma
colocação no estado. - falou o Zé
- Qual
a sua formação, José? – indaga Lourival
-
Primário incompleto, mas estou me preparando para fazer o madureza. Tenho
também o curso de detetive particular feito por correspondência pelo Instituto
Universal Brasileiro – respondeu Zé sem pestanejar.
- Fale-me de sua experiência profissional, Sr.
José? – argui Lourival já com uma certa impaciência.
- Bem,
doutor Lourival, experiência mesmo, ali onde eu domino e sou bom de verdade,
sem falsa modéstia, é no bilhar e no bacará de Seo Pedrinho. – redarguiu Zé da
Jega sem nenhum pejo.
- Meu filho, onde o senhor acha que se sairia
melhor no estado? – pergunta Lourival, a essa altura, doido pra se livrar
daquele insolente e deixando o rapaz bem à vontade para escolher seu emprego.
- Governador,
de acordo com as minhas aptidões eu estou convencido de que seria um ótimo
fiscal de renda aposentado. - Reivindicou Zé Aprígio.
Lourival que cochilava, arregalou os olhos, chamou o ajudante de ordens, mandou recolher as tralhas, desarmar o circo e retornar imediatamente para a capital. Acabou ali a experiência de governo itinerante.
* Este texto faz parte de série Dez Contos de Memória, de minha autoria. Nele há personagens reais e fictícios.
Parabéns, Silvio!
ResponderExcluirBelo conto!
José Augusto da Silva
Obrigado, João. Publicaremos toda a série, um por semana, toda sexta feira. Acompanhe.
Excluirabração
Ótima narrativa, Sílvio. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Jorge. Na próxima sexta feira publicaremos mais um da série. Sua opinião é muito importante.
ExcluirAbraços