A
primeira vez que ouvi falar em Carnaval, eu era criança. Não lembro quantos
anos tinha, mas lembro de meu pai sentado ao lado de um imenso rádio Philco,
ouvindo e cantando junto com Claudionor Germano, uma linda música de Capiba:
“os melhores dias de minha vida, eu passei contigo querida...”
Não
sei por que, na Lagoa do Meio não tinha carnaval. Tinha todas as festas do
mundo, menos carnaval. O mais parecido com a festa de Momo era quando, no
sábado de aleluia, os rapazes, encapuzados, usando vestidos coloridos, máscaras
de papelão, tocando chocalhos, cantando músicas e fazendo muito barulho, ganhavam
as estradas do lugar assustando as crianças e divertindo os adultos por todo o
povoado. Eram as Caretas.
Os
brincantes saiam em busca de donativos nas residências, entre os transeuntes e nos
armazéns. O objetivo das Caretas era coletar gêneros alimentícios, bebida e
dinheiro para realizar a tradicional brincadeira de malhação do Judas, na noite
do Sábado de Aleluia, para a madrugada de Domingo de Páscoa, quando os católicos
celebram a Ressurreição de Jesus Cristo.
Por
isso estranhei o fato de meu pai estar cantando uma música que não fosse de Nélson
Gonçalves, seu grande ídolo, ao que ele me explicou:
- Ah
meu filho, é que o carnaval me traz boas lembranças dos bailes do Clube da Rhodia.
Meu
pai e minha mãe casaram-se muito jovens. Num tempo em que o povo da Lagoa do
Meio só tinha como alternativas descer pra São Paulo ou subir pra São Pedro,
eles foram tentar a sorte no Sul maravilha. Depois de alguns subempregos, meu
pai virou operário da Rhodia Química Brasileira, uma multinacional francesa
instalada em Santo André, no ABC paulista. Trabalhou lá 13 anos. Um belo dia,
não aguentou mais a saudade, pediu as contas e voltou pra roça. Mas jamais
esqueceu os bailes de carnaval do clube da Rhodia.
Meu
pai gostava de contar que num desses bailes teria dançado com Hebe Camargo. Alguns,
talvez por inveja, achavam que se tratava de uma gabolice. Minha mãe,
enciumada, sorria de canto de boca e meneava a cabeça como se colocasse dúvida
na aventura do marido. Eu, orgulhoso, achava o máximo a façanha do meu velho. Certamente,
Hebe ainda jovem, iniciando a carreira, antes de se tornar celebridade, ganhava
uns trocados animando festinhas e bailes como aqueles promovido pela Rhodia.
Meu pai, assanhado que era, não perdeu a oportunidade de dar uma voltinha de
dança com aquela moça que viria a ser a Rainha do Rádio e, posteriormente,
também Rainha da TV brasileira.
Em
1968, aos 11 anos, deixei a roça para estudar na cidade. Em Capela, à medida em
que ia crescendo, morria de inveja dos rapazes mais velhos que já tinham idade
e dinheiro para frequentar o Rio Branco. Era a sede social do Rio Branco Sport
Club, tradicional clube de futebol dos capelenses. No dia seguinte aos bailes, logo
cedo eu corria para a praça da Matriz. Lá, em frente à igreja, tinha um pé de
fícus e embaixo dele ficava um banco de cimento onde a rapaziada se reunia para
resenhar a noite anterior no Rio Branco. Eu, menino intrometido, ficava ali
papagaiando os caras, com os olhos vidrados de admiração e os ouvidos atentos
para escutar as peripécias vividas e contadas por eles. Quem dançou com quem,
quem levou taboca de quem, quem beijou, quem foi beijado, quem namorou, quem
desnamorou. Eu viajava naquelas conversas e não via a hora de chegar minha vez de
também ter minha própria história prá contar.
Estudante
do Básico eu era colega de Suzete, a Suzy. Eu, bom de matemática. Ela, sofrível
na matéria. Daí surge uma aproximação e o convite para ajudá-la nos estudos. Além
de colegas viramos amigos. Eu estava na casa dos 15 pra 16 anos e já era um
rapagão. Suzy era quatro anos mais velha que eu. Não parecia, nem eu sabia até
então. Ela não perdia um baile no Rio Branco. Seu pai e seus irmãos eram
sócios.
Vésperas
do carnaval de 1973, na sexta-feira, depois dos estudos na casa de Suzy, ela me
surpreende com um convite para o baile do sábado no Rio Branco Sport Club. Nem
dormi direito. Às 5 da manhã daquele dia, prá mim, histórico, eu já estava de
pé. Passei o dia todo contando as horas. Mal começou a noite e eu já estava de
prontidão na Lanchonete de Chico que ficava ao lado da entrada do clube. Depois
de beber meio litro de batida de limão - era o que o dinheiro dava para pagar –
ouço os primeiros acordes da banda Unidos em Ritmo. O baile finalmente iria
começar.
Entreguei
o convite ao porteiro e, lívido, coração acelerado, subi a escadaria. Quando
venci o último degrau e me deparei com o imenso salão, minhas pernas tremiam
tanto que mal podiam me sustentar. Estava ali a fina flor da elite capelense.
Os usineiros, os fazendeiros, os comerciantes, todos com suas senhoras. Os
genros, as noras, os filhos e as filhas solteiras, os rapazes da praça da Matriz...
e eu. Lá também estava Suzy. Quando a avistei saindo do outro lado do salão,
caminhando em minha direção, vestindo um curtíssimo short jeans e uma blusa branca
de botões, quase transparente, com um nó na frente deixando o umbigo à mostra,
minhas pernas pararam de tremer. Eu simplesmente não as sentia mais.
Mal
percebi quando ela me pegou pelas mãos me arrastando para o meio do salão onde
saímos dançando... “Quanto riso, oh! Quanta alegria...” Minha cabeça era um
turbilhão por onde passava mil coisas. Pensava no encontro com os rapazes no
banco da Matriz no dia seguinte. Eu já era um deles. Lembrei do meu pai
dançando com Hebe Camargo no clube da Rhodia e pensei baixinho, “quem sai aos
seus não degenera”. Lá pelas tantas, a orquestra estanciana parece me chamar o
feito a ordem: “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”, o
rosto dela próximo e frente ao meu, lábios abertos em um leve sorriso, pedia e
merecia um beijo. Para mim, um beijo de verdade. Um beijo de cinema. Um beijo
de Romeu em Julieta na Sacada dos Capuleto. Para ela: “que isso, colega, sinto
muito, você não entendeu, foi só um selinho, coisa de amigo”.
Santa batida de limão para animar o carnavalesco!
ResponderExcluirAnimou rsrsrs
ExcluirObrigado por deixar seu comentário.
Abraços
Companheiro SS!, tirei a noite para atualizar as leituras, em especial os vossos contos, faltavam "o estrangeiro", "O rio da minha aldeia" e "paixão de carnaval". Na verdade, volto a minha Dores. Parabéns!, que venha o sexto.
ResponderExcluirMuito obrigado, companheiro. Sua interação é muito importante
ExcluirUm forte abraço