30 maio 2021

Eu Passarinho

Tenho a impressão que hoje em dia, mais que em outros tempos, os animais fazem parte das vidas das pessoas e passaram a serem tratados como familiares queridos de seus donos. Uma vizinha perdeu sua cachorrinha poodle há uns três anos e nunca mais foi a mesma. Se trancou num eterno luto.

Lembro que minha mãe adorava gatos. Sempre tinha gatos lá em casa. Assim mesmo no plural. Todos com um nome registrado. Eram homenagens a seus atores e atrizes preferidas: Marlon, Tony, Maitê, Glória e por aí vai. Eram criados soltos em um ambiente de total liberdade. Gatos de origem humilde que costumamos chamar de vira-latas. Não eram desses gatos de raça, preguiçosos, mofinos que adoecem com qualquer ventinho e passam o dia inteiro deitado no sofá. Os gatos da minha mãe pediam comida quando estavam com fome e se por alguma razão ela não desse, eles iam à caça. Interessante que ela conversava com eles e todos se entendiam. Quando estavam no cio sumiam de casa. Alguns desapareciam para sempre, outros voltavam depois de meses, magros e feridos. Recebiam um sermão daqueles e depois tinham seus ferimentos tratados com aquele jeitinho cuidadoso que só as mães têm. Quando algum deles morria era um tempo de choros e luto. O quintal lá de casa parecia um cemitério. Cheio de covas, cruzinhas com o nome do finado, e flores todos os domingos. Acho que é para evitar esse sofrimento que eu nunca quis criar animais domésticos.

Aqui no condomínio onde moro há mais cachorros e gatos que gente. É como se as pessoas não encontrassem mais nos seus semelhantes o amor fraterno e o humanismo de que tanto necessitamos. Buscamos, portanto, nos animais o afeto que a vida moderna nos tem tirado. E parece ser exatamente por essa ausência de humanismo que as pessoas têm com seus animais uma relação utilitária. Querem deles todo o carinho, o balançar de rabo, o roçar de seus corpos, mas não dão reciprocidade com os cuidados devidos. Até os acariciam, levam cotidianamente ao veterinário, dão-lhes ração da boa, mas os trata como gente e é aí onde reside o problema. Eles não são gente e por isso precisam ser tratados de outro jeito.

O cachorro de um dos meus vizinhos late de dia a noite. Está claro que não é de contente com a vida. O bichinho está sofrendo e seu dono ainda não entendeu isso. Além de estar fazendo o doguinho sofrer, o infeliz dono não percebeu que incomoda toda a vizinhança.

Do outro lado da rua, um morador bolsonarista ensinou seu papagaio a cantar o hino nacional. Imaginem o sofrimento do bichinho. Além de viver em cativeiro – o que é proibido por lei -, andar vestido de Véio da Havan, ainda ser obrigado a cantar o hino. Um dia desses passei na frente da casa e me comprometi com o Louro que assim que o Ibama voltar a cumprir o seu verdadeiro papel, seu drama terá fim. Está perto.

Eu gosto de passarinhos. Plantei árvores frutíferas no meu quintal onde eles se alimentam, fazem ninhos e festa toda manhã e ao entardecer. São canários cantores, cabeças, sanhaços e bem-te-vís. Um Bem-te-vi desses ficou meu amigo. Toda manhã, as 5h pontualmente, ele vai para a janela do meu quarto e me acorda. Levanto, abro a janela, conversamos um pouco. Ele voa rumo a seus afazeres e eu saio para a minha caminhada na praia. Lá pelo meio dia, uma da tarde, sol a pino, ele volta para seu costumeiro mergulho na piscina. Um refresco para amenizar o calor. Conversamos mais um pouco, ele faz pose para fotos e volta a cuidar de suas coisas. Vendo meu amigo desaparecendo no horizonte, penso: se eu fosse passarinho queria ser um Bem-te-vi. Andar por um jardim em flor chamando os bichos de amor.    


28 maio 2021

Não Lembrei de Olhar Pra Trás

Tirei um tempo para arrumar minhas prateleiras. Há muito não abria aquelas caixas lá de cima. Mal olhava as que ficavam embaixo. Ocupado em fazer a revolução, só as do meio me bastavam. Que tolice. Não se faz revolução com as caixas do meio. Elas nada sabem da alma humana, de sentimentos e sonhos. Não conhecem de estratégias e sequer sabem escolher as táticas que vencem guerras. Vivem de ímpeto e oportunismo. Cheias de vazios contagiantes. São incapazes de solidariedade na batalha perdida. Não se faz revolução sem solidariedade. Foi sobre seres solidários que um homem sábio escreveu a importância de saber quem estará conosco, ombro a ombro, nas trincheiras. Saber isso é mais importante que a própria guerra, disse a velho escritor. Eu, por um longo tempo, esqueci disso.

Subo numa escada e, lá no alto, num canto escuro, puxo uma caixa empoeirada. A Caixa da Memória. Espanei as casas de aranha e fui limpando com cuidado seus escaninhos. Lá estavam meus antepassados, amigos de infância, paixões adolescentes, meus sonhos juvenis e os caminhos que percorri. Muitas estradas, veredas e encruzilhadas que me trouxeram até aqui. Nunca vou entender porque deixei-a tanto tempo tão afastada de mim. O que está ali não é somente minha memória. Sou eu dentro daquela caixa.

Uma caixa em especial me deu mais trabalho para arrumar: aquela sob o título Amigos e Companheiros. Apesar da caixa cheia, vi sem nenhuma surpresa como são raros os verdadeiros. Dei um lustre especial nos poucos trigos que sobraram e os guardei com muito cuidado e carinho. Ato contínuo, despejei na lata de lixo os muitos joios que por um tempo me confundiram. Aproveitei também para ajeitar, numa nova caixa, novas companhias que estavam esparramadas sobre a mesa e ainda sem lugar na estante. Pessoas - algumas inusitadas - que chegaram num dia triste e sem pedir nada em troca encheram meu coração de alegria.

Minha estante agora é outra. Está menor e, talvez por isso mesmo, mais bonita. Todas as caixas que ficaram têm igual importância. Nenhuma voltará a criar bolor. Grande é o volume do que foi para o lixo.

Afinal, minha Caixa da Memória, ao me fazer olhar pra trás, me mostrou que não preciso de muito para seguir rumo ao horizonte de minhas utopias. Basta um Rocinante e um fiel escudeiro.  


10 maio 2021

TRATORAÇO

O jornal Estado de São Paulo, em matéria de ontem, denuncia através de um conjunto de 101 documentos de deputados e senadores que comprovam a existência de um esquema paralelo montado pelo governo Bolsonaro denominado ORÇAMENTO SECRETO, no valor de 3 BILHÕES de reais.

Boa parte desse orçamento foi destinado à compra de tratores, retroescavadeiras e demais equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência, ou seja, SUPERFATURADO. Nos ofícios encaminhados, membros do Congresso indicaram como preferem que os recursos sejam usados. Por lei, esse papel cabe a ministros

A distribuição dos valores não foi equânime, só ganhou quem apoiou o Planalto.

As emendas secretas de Bolsonaro se assemelham ao episódio acontecido nos anos 90, chamado ANÕES DO ORÇAMENTO que redundou em CPI e cassação de vários deputados inclusive aqui de Sergipe.

Já apelidado de TRATORAÇO, o caso é um clássico de corrupção com recursos do orçamento.

Chamo a atenção dos colegas da imprensa nativa: que tal investigarmos se há ou não participação dos nossos representantes nesse esquema para informarmos aos sergipanos? Não acham uma boa pauta? 


Gestos valem mais que palavras

  Vejam como o governo de Sergipe vai construindo narrativas para justificar suas reais intenções e como elas induzem a opinião pública ao e...