28 maio 2021

Não Lembrei de Olhar Pra Trás

Tirei um tempo para arrumar minhas prateleiras. Há muito não abria aquelas caixas lá de cima. Mal olhava as que ficavam embaixo. Ocupado em fazer a revolução, só as do meio me bastavam. Que tolice. Não se faz revolução com as caixas do meio. Elas nada sabem da alma humana, de sentimentos e sonhos. Não conhecem de estratégias e sequer sabem escolher as táticas que vencem guerras. Vivem de ímpeto e oportunismo. Cheias de vazios contagiantes. São incapazes de solidariedade na batalha perdida. Não se faz revolução sem solidariedade. Foi sobre seres solidários que um homem sábio escreveu a importância de saber quem estará conosco, ombro a ombro, nas trincheiras. Saber isso é mais importante que a própria guerra, disse a velho escritor. Eu, por um longo tempo, esqueci disso.

Subo numa escada e, lá no alto, num canto escuro, puxo uma caixa empoeirada. A Caixa da Memória. Espanei as casas de aranha e fui limpando com cuidado seus escaninhos. Lá estavam meus antepassados, amigos de infância, paixões adolescentes, meus sonhos juvenis e os caminhos que percorri. Muitas estradas, veredas e encruzilhadas que me trouxeram até aqui. Nunca vou entender porque deixei-a tanto tempo tão afastada de mim. O que está ali não é somente minha memória. Sou eu dentro daquela caixa.

Uma caixa em especial me deu mais trabalho para arrumar: aquela sob o título Amigos e Companheiros. Apesar da caixa cheia, vi sem nenhuma surpresa como são raros os verdadeiros. Dei um lustre especial nos poucos trigos que sobraram e os guardei com muito cuidado e carinho. Ato contínuo, despejei na lata de lixo os muitos joios que por um tempo me confundiram. Aproveitei também para ajeitar, numa nova caixa, novas companhias que estavam esparramadas sobre a mesa e ainda sem lugar na estante. Pessoas - algumas inusitadas - que chegaram num dia triste e sem pedir nada em troca encheram meu coração de alegria.

Minha estante agora é outra. Está menor e, talvez por isso mesmo, mais bonita. Todas as caixas que ficaram têm igual importância. Nenhuma voltará a criar bolor. Grande é o volume do que foi para o lixo.

Afinal, minha Caixa da Memória, ao me fazer olhar pra trás, me mostrou que não preciso de muito para seguir rumo ao horizonte de minhas utopias. Basta um Rocinante e um fiel escudeiro.  


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