Tirei
um tempo para arrumar minhas prateleiras. Há muito não abria aquelas caixas lá
de cima. Mal olhava as que ficavam embaixo. Ocupado em fazer a revolução, só as
do meio me bastavam. Que tolice. Não se faz revolução com as caixas do meio.
Elas nada sabem da alma humana, de sentimentos e sonhos. Não conhecem de estratégias
e sequer sabem escolher as táticas que vencem guerras. Vivem de ímpeto e
oportunismo. Cheias de vazios contagiantes. São incapazes de solidariedade na
batalha perdida. Não se faz revolução sem solidariedade. Foi sobre seres
solidários que um homem sábio escreveu a importância de saber quem estará
conosco, ombro a ombro, nas trincheiras. Saber isso é mais importante que a própria
guerra, disse a velho escritor. Eu, por um longo tempo, esqueci disso.
Subo
numa escada e, lá no alto, num canto escuro, puxo uma caixa empoeirada. A Caixa
da Memória. Espanei as casas de aranha e fui limpando com cuidado seus
escaninhos. Lá estavam meus antepassados, amigos de infância, paixões
adolescentes, meus sonhos juvenis e os caminhos que percorri. Muitas estradas,
veredas e encruzilhadas que me trouxeram até aqui. Nunca vou entender porque
deixei-a tanto tempo tão afastada de mim. O que está ali não é somente minha
memória. Sou eu dentro daquela caixa.
Uma
caixa em especial me deu mais trabalho para arrumar: aquela sob o título Amigos
e Companheiros. Apesar da caixa cheia, vi sem nenhuma surpresa como são raros
os verdadeiros. Dei um lustre especial nos poucos trigos que sobraram e os
guardei com muito cuidado e carinho. Ato contínuo, despejei na lata de lixo os
muitos joios que por um tempo me confundiram. Aproveitei também para ajeitar,
numa nova caixa, novas companhias que estavam esparramadas sobre a mesa e ainda
sem lugar na estante. Pessoas - algumas inusitadas - que chegaram num dia
triste e sem pedir nada em troca encheram meu coração de alegria.
Minha
estante agora é outra. Está menor e, talvez por isso mesmo, mais bonita. Todas as
caixas que ficaram têm igual importância. Nenhuma voltará a criar bolor. Grande
é o volume do que foi para o lixo.
Afinal,
minha Caixa da Memória, ao me fazer olhar pra trás, me mostrou que não preciso
de muito para seguir rumo ao horizonte de minhas utopias. Basta um Rocinante e
um fiel escudeiro.
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