Nos
idos dos anos 70, quando eu tinha 15 pra 16 anos, queria ser jogador de futebol.
Para isso não faltava estímulo. Vivíamos um período pós copa de 70 em que havia
uma supersafra de craques que inspiravam garotos como eu no mundo todo. Era o
tempo de Rivelino, Tostão, Paulo Cézar, Jairzinho, Clodoaldo, Carlos Alberto,
Gérson, Ademir da Guia, Dirceu Lopes... e ainda teve um pouquinho do rei Pelé.
Estes foram os mais destacados de uma geração que surgira nos anos 60, mas haviam
outros. Sem contar os jovens craques que surgiam em sequência, tais como Zico, Sócrates,
Falcão, Júnior, Reinaldo, Cerezo, Roberto Dinamite, Marinho Chagas, etc., etc.,
etc...
Por um
pequeno detalhe eu não virei um craque da pelota. Acontece que, apesar de
amá-la, eu não tratava a bola com o devido cuidado, hoje eu sei. Aqueles
bicudos ao invés do toque sutil com efeito, aquelas matadas na canela quando
devia amaciá-la com o dorso do pé a fizeram ir aos poucos se afastando de mim.
Percebi a indiferença dela quando nas peladas no campinho da rua Santa Cruz, em
frente ao cemitério da Trindade, eu corria pedindo o passe e ela, a bola, nunca
chegava. Eu, esbaforido na porta do gol, mãos levantadas aos gritos suplicando
por ela e nada. Um homem tem que entender quando um relacionamento acaba.
Depois
dessa frustrada tentativa de ser jogador de futebol, na Capela daqueles tempos
só me restava ser jogador de sinuca ou de baralho no bar de seu Caçulo. Além da
grande concorrência – tinha mais jogadores nas mesas de bilhar do velho Caçulo,
do que tem hoje os elencos do Flamengo e Atlético Mineiro juntos – o jogo era
apostado. Não é que eu não tivesse vontade de ser um grande jogador de sinuca,
uma espécie de Rui Chapéu ou Carne Frita (olha o nome dos caras). Eu não tinha
era dinheiro para apostar.
Para
manter o físico de atleta eu corria. Na época era moda um tal de teste de
Cooper. O tal exercício consistia em correr 2.400 metros em uma velocidade
constante. Mole pra mim que desde os 10 anos percorria os 23 km que separam a
Capela da Lagoa do Meio.
Certo
dia convidei meu amigo João Baguio (o nome da fera decorre disso mesmo que você
pensou) para uma corrida dessas.
- Correr
atrás de quê? - Perguntou Baguio enquanto apertava os olhos.
- De
nada, João, é só uma caminhada daqui até as Barracas para manter o preparo
físico.
-
Oxente! Me mande agora pra Capela comprar um remédio ou dar um recado que eu
vou e volto correndo, mas correr assim pra nada? Tá pensando que eu sou idiota
é? – Sem capacidade para tirar a razão do amigo, também desisti de fazer
cooper.
Hoje
em dia, depois que ganhei uma barriga sex(agenária) e uma pressão arterial na
casa dos 16 por 10, me vi obrigado a voltar a praticar o velho cooper. Gosto de
caminhar na praia, mas não resolve. A caminhada ali não passa de um prazeroso passeio.
Caminhar nesses calçadões em tempo de pandemia com uma máscara na cara também
não, né? Bem, a solução foi andar na esteira da academia do condomínio.
Não
tem um dia que eu suba naquela bendita esteira para não me lembrar de João
Baguio e me sentir um grandíssimo idiota. Se andar para algum lugar, que não seja
para comprar algo ou dar algum recado, já é coisa de otário, imagine andar do
nada para lugar nenhum. Além de caminhar em direção ao nada, o horizonte que
tenho na minha frente é uma parede com uma televisão pendurada. Por conta da
pandemia, a sindica determinou que só pode uma pessoa de cada vez na academia,
logo, não há nenhum outro idiota com quem eu possa falar idiotices e passar o
tempo. O jeito é ligar a TV. Aí já é outro problema.
Depois
de anos sem usar jornais televisivos, devidamente desintoxicado, estou eu de
novo consumindo essa droga. Se aquilo que eu consumia há 20 anos já era tóxico
imagine agora que o jornalixo virou uma mistura de Fantástico - onde os
governos são retratados como alecrins dourados -; Show da Xuxa – onde a plateia
manda fotos, beijos pra mãe, pro pai e para a Xuxa que estiver na bancada -; e Datena.
Me sinto aquele personagem vivido por Jô Soares que acorda depois de anos em
coma e, ao descobrir no que o mundo se transformou, pede para voltar a ser intubado.
A
única coisa que não mudou no jornalismo da TV foi a seção Datena. Ali, no mundo
cão, dá pra ver que mulheres, negros e gays, se forem trabalhadores, continuam
apanhando, sofrendo e sendo mortos.
Uma
das reportagens desses dias, destaca, um caso em que um policial encheu de
porrada um motoboy porque este atrasou a entrega de um medicamento para sua
filha doente. A matéria mostra as “ibagens” de dentro da farmácia, onde o
puliça senta a mão no motoboy que não esboça nenhuma reação. Segundo a
reportagem o policial valente justifica sua violência pelo atraso do motoboy na
entrega do remédio o que é negado pelo rapaz que mostra seu GPS e os horários.
Ou seja, se houve atraso não foi do motoboy que é só o leva e traz do bagulho,
ops, da droga. De quem é, afinal, a responsabilidade pelo atraso? A reportagem
não quis saber e se deu por satisfeita com as duas versões. O delegado do caso,
que por acaso (e só por acaso) é colega de trabalho do brabo, em duas
entrevistas concedidas diz que está colhendo os depoimentos para a elucidação
do crime, porém já descobriu que, “embora o policial tenha exagerado, realmente
o motoboy atrasou”. Entendi. Estão aí a motivação e o atenuante que humanizará
o violento servidor público. Vocês acham que vai sobrar pra quem?
( )
Dono da farmácia;
( )
Policial
( )
Motoboy
E é
assim que a esteira da humanidade caminha rumo ao lugar nenhum e nos faz
diariamente de babacas.
Bacana Silvio. João Baguio não ia sucumbir talvez ao puliça, mas esse infelizmente ainda é o Brasil estúpido: o cara que julga e procura fazer justiça com as próprias mãos porque tem uma arma do Estado. Devia ser julgado por uma equipe e certamente defenestrado do serviço público para aprender a separar o público do privado e saber o significado do Estado de Direito
ResponderExcluirPerfeitamente, Oliva. Infelizmente muitos ainda não incorporaram os valores republicanos.
ResponderExcluirObrigado por comentar.