Popó, é
um velho amigo de infância na minha querida Capela. Possidônio Pereira da Cruz,
filho de um rico fazendeiro lá das bandas do Cem Passos, desde menino já era um
entusiasmado admirador da revolução russa e de outras insurreições ao redor do
mundo.
Trotskista
convicto e simpatizante de Bakunin, nunca vi Popó sem aquela boina, igual a do
Che Guevara, ornamentando sua cabeça. Ele se autodenominava revolucionário e acreditava
– ainda acredita - que a luta armada é a única forma de libertação do
proletariado.
Enquanto
as armas para a revolução não chegam, Popó precisa se virar. Depois de perder o
pai fazendeiro para um derrame cerebral e a fazenda para o Banco do Brasil, o
rebelde Popó conseguiu, através de um velho usineiro amigo da família, um cargo
na burocracia do estado.
Estava
ele tranquilo, birô abarrotado de papéis para arquivar, quando ouviu o chamado
das ruas. Eram as denominadas “jornadas de junho” de 2013. Ainda tentei chamá-lo
a razão:
- Popó,
preste atenção, você não vê que esse é um movimento golpista? Uma tentativa de
desacreditar o governo popular?
-
Popular, Ésse Ésse? – é assim que Popó me chama – popular o quê, cara, onde já
se viu um aumento de 0,20 centavos na passagem do ônibus? – continuou Popó em
sua fúria revolucionária.
Certamente
o bater do torturante carimbo durante os últimos longos anos embotou sua mente
e sua capacidade de discernimento. O que importava para ele é que o povo
houvera cansado de esperar pelas armas e tinha ido paras as ruas fazer a
revolução, e esta deveria ser feita ali e agora, ainda que fosse no muque.
Quando
Possidônio acordou era tarde. A tal revolução que ele ajudara a fazer tinha
tirado a esquerda do poder e em seu lugar havia colocado a ultradireita
fascista, que retiraria todos os direitos e conquistas da classe trabalhadora
ao longo do tempo desde Getúlio Vargas. O neoliberalismo venceu e com a
contribuição militante do revolucionário Popó. Envergonhado, sumiu. Seus
parentes e nós, os amigos, chegamos a pensar que ele havia cometido suicídio.
Por
isso minha surpresa ao vê-lo na passeata de Lula em Aracaju no segundo turno da
eleição. De camisa vermelha, a velha boina de Che na cabeça, um sorriso cheio
de esperança no rosto e um forte abraço de redenção.
Dalí
fomos tomar uma cerveja, falar dos velhos tempos e dos que virão. Popó me
pareceu mais realista. Acreditava que o momento exigia a somação de todos.
Esquerdistas, sociais-democratas, democratas e avançando até ao que ele chamava
de direita civilizada. Nesse ponto, eu que nem sou tão revolucionário assim, me
arrepiei. Direita civilizada? Tá bom, que seja. Nos despedimos e seguimos na
luta.
Depois
de uma jornada heroica, Lula é eleito por mais de 60 milhões de brasileiros.
Reverenciado pelo mundo inteiro, sua vitória simboliza um ambiente de paz e esperança
para o Brasil e para o mundo. Socialistas, sociais-democratas, direita
civilizada... todos comemoramos efusivamente.
15
dias depois da eleição de Lula e de um merecido descanso, vou ao Bar do Camilo
tomar uma gelada com costela de porco assada, ainda em clima de comemoração da
vitória, e lá encontro um infusado Popó.
- Tá
vendo, Ésse Ésse, será que Lula não aprendeu nada?
- Mas
o que houve, Popó? Que foi que Lula fez?
- Não
lê a Folha não?
- Não.
- Ele
foi pro Egito num avião de um empresário.
-
Oxente, Popó, e tem avião que não seja de empresário?
- Não
se faça de tonto, Ésse Ésse, ele foi de favor. Onde já se viu pedir favor a
empresário?
- Ah,
tá, entendi. Lula não pode ter amigo empresário e muito menos pedir uma carona
a ele, né Popó? Pedir favor a empresário é uma regalia que só filho de fazendeiro
que tem amigo usineiro possui, né amigo?
- Não
entendi sua indireta, mas ele poderia ir num avião de carreira.
- Velho,
são mais de 15h de viagem, com trocentas escalas. Além de muito cansativo para
um senhor de 78 anos, havia outros riscos envolvidos. Você viu o que os
patridiotas fizeram com os ministros do STF em NY? Iriam fazer a mesma coisa ou
pior com Lula em todas as escalas, você duvida?
- Num
avião da FAB então.
-
Sério? Sob o comando do GSI do tal General Heleno que desejou sua morte outro
dia? Aquele avião dos 39 kg de cocaína?
- E aquela mulher dele, a Janja?
- Você
quer dizer a companheira do Lula? O que tem ela?
- Onde
já se viu uma primeira-dama metida daquelas? Participando da transição, dando
entrevista pro Fantástico, vestida numa blusa caríssima... boa era a Marcela Temer
que não abria a boca e era recatada e do lar.
-
Popó, você é quem não aprende. Se o amigo continuar lendo, vendo e ouvindo, acriticamente,
a velha imprensa burguesa vai cair na armadilha de novo. Assim você está, ainda
que involuntariamente, ingerindo um veneno cujo efeito é fazer aflorar todo o
preconceito de classe do qual você nunca se libertou, mesmo quando travestido
de revolucionário.
Pensativo,
tomei minha cerveja, comi uma costelinha e fui pra casa com a certeza de que
para avançarmos no processo de reconstrução do Brasil teremos que enfrentar
muitos adversários: os ultradireitistas, os conservadores e os esquerdistas vulneráveis as narrativas dos conservadores.
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