28 março 2023

Eu sou normal

 

“Está me olhando por quê? Eu sou normal!” Era com esse bordão que o ator e humorista Francisco Milani brincava com o conceito de normalidade das pessoas no programa Viva o Gordo, capitaneado por Jô Soares.

Embora os seres humanos tenham características semelhantes, cada indivíduo carrega sua própria existência biopsíquica. É possível que aquele cara de cabelo rastafari ache o nerd de cabelo engomadinho, estranho. E vice-versa. Ou seja, nesse mundo de estranhos, o estranho é sempre o outro.

Lembrei do personagem de Milani quando vi esses dias um monte de gente estranha, estranhando uma fala do presidente Lula que, numa entrevista, disse que só iria ficar bem quando aplicasse o parágrafo D no ex-juiz Sérgio Moro. Pronto. Foi o suficiente para que todos os estranhos de Terra Brasilis se autodeclarassem normais e, como tais, solicitassem a internação do Lula na Casa Verde do Dr. Simão Bacamarte.

Os comentaristas da imprensa, somados aos especialistas em generalidades dos grupos de WhatsApp, formaram um grande tribunal onde, como autênticos jurisconfusos, formulavam libelos e teses que justificariam a camisa de força. Insensíveis aos argumentos de que o presidente, diante de todo o sofrimento e injustiças sofridas pela ação deletéria praticada por um ex-juiz parcial, tinha direito àquela reação, os ditos normais rejeitavam a tese, sob a alegação de que o presidente de uma república das bananas como a nossa, não pode agir com o fígado, falar termos ofensivos a outrem - ainda que esse outrem seja um salafrário juramentado - e muito menos usar palavras de baixo calão.

Quando alguém lembrou de que haviam os precedentes de um presidente, elogiosamente chamado de “Principe da Sociologia”, que chamara os aposentados de vagabundos, e de um outro que, talvez num momento de dúvida de sua masculinidade alfa, propagandeou a cor de seus próprios quibas, os autodeclarados normais indeferiram a petição alegando prescrição dos crimes citados.

Curioso é que os normais são, invariavelmente, devotos de Cristo. E, talvez por coincidência, uma das cenas bíblicas menos difundida pelos cristãos é aquela em que Jesus Cristo expulsa a tapas os vendedores que negociavam bugigangas na Casa do Senhor. Imaginem aquele bom rapaz, símbolo do amor, da paz e da resiliência, o cara que dava a cara a tapa e que levava amor onde havia ódio, um dia se emputeceu e baixou a madeira no lombo dos Vendilhões do Templo (João 2,13-25).

Visivelmente irritado Jesus bradou aos ouvidos dos mercadores: “Tirem isso daqui! A casa do meu pai não é lugar para ficar vendendo e comprando coisas!” e meteu a borduna. E pensam que foi só uma vezinha? Nan, nan, nin, nan não. Foram duas vezes. Três anos depois da primeira surra, o Homem de Nazaré comeu os vendedores na porrada de novo. É pouco ou quer mais?

Diante desse histórico uma pergunta que não me quer calar: como agiria o Nazareno, depois de ressuscitado, mãos desatadas, feridas ainda doídas, diante de Pilatos e dos vendilhões de sentenças? Daria a outra face?

27 março 2023

Véio Rabugento

 

Quem não conhece um idoso ranzinza? Eles estão por aí presentes em todos os lugares. Pode ser um avô, um tio ou até mesmo um vizinho daqueles que alguém já cuida logo de apelidá-lo de Seo Lunga, o rabugento mais famoso aqui do Nordeste. Aliás, ninguém sabe como era o humor de Seo Lunga quando jovem. Só se conhece esse personagem já idoso.

Essa mudança de humor do idoso talvez tenha a ver com o fato de não se enxergar mais a necessidade de agradar aos outros como antigamente. A idade concede ao idoso a autoridade para bradar um foda-se aos protocolos do cerimonial.

Minha mãe, por exemplo, foi uma das pessoas mais sensíveis que eu conheci. Noveleira devotada, se derretia em lágrimas com o amor entre Albertinho Limonta e Isabel Cristina de O Direito de Nascer, ou com as aventuras e desventuras da Escrava Isaura. Com o passar do tempo e o avanço da idade ela começou a brigar com os vilões. Testemunhei verdadeiros e surreais diálogos dela, dedo em riste, com Odete Roitman, vilã de Vale Tudo.

Ao mesmo tempo que não aceitava mais, sem um severo xingamento, as maldades executadas pelos bandidos das novelas, minha mãe era só carinho com os mocinhos. Ou melhor, com as mocinhas.  As vacas da fazenda que antes eram anônimas, passaram a atender pelos nomes de suas atrizes preferidas: Maitê, Glória, Suzana, etc.

Eu não assisto novelas. Primeiro porque sou ansioso e não tenho paciência para assistir um filme que leva meses para acabar. Segundo, porque as poucas que vi, tinha como atração principal a minha mãe brigando com os personagens malvados e isso, que era muito divertido, eu deixei de ter. Mas assisto todos os programas sobre futebol e política da TV.

Outro dia me peguei batendo boca com André Rizek e PC Vasconcelos num programa sobre futebol do SporTV. Me bateu uma espécie de Déjà Vu. Mudei de canal e quando dei por mim estava brigando com Míriam Leitão e Fernando Gabeira. Desliguei a televisão e fui tomar meu remédio para a pressão.

03 março 2023

SOS Mata do Junco

 

Conforme costumo cantar em verso e prosa, eu sou da Capela, a Rainha dos Tabuleiros. Vivi minha infância e adolescência entre a Lagoa do Meio e a sede do município. Conheci cada palmo daqueles tabuleiros que iam do Favela até o Campo da Aviação por um lado, e até as Pedras pelo outro. Seus imensos e planos prados eram o melhor lugar para bater pelada com a molecada, meus vizinhos da Rua do Quiço. Catar cajuí, – um pequeno e azedo caju – era outra atividade certa e prazerosa, pois significava o melhor tira-gosto para acompanhar a meiota de Taquari que Luís Bicho, o mais velho entre nós, já “de maior”, podia comprar na bodega de seu Fiínho.

Naqueles tempos os tabuleiros da Capela eram um território quase sagrado, por isso chamado de Tabuleiros de Nossa Senhora. Assim, apesar de haver à época quatro usinas (Proveito, Vassouras, Santa Clara e Pedras) em atividade no município, nenhuma ousava plantar cana ali. Hoje em dia não há mais usinas de açúcar na Capela, mas também não há mais tabuleiros. O progresso levou os cajuís da minha infância/adolescência e tudo virou um imenso canavial.

Do outro lado da cidade reinava absoluta e misteriosa a Mata do Junco. Um dos poucos fragmentos que sobraram da Mata Atlântica em Sergipe e é o berço do Rio Lagartixo que abastece com suas águas os capelenses. Rica em biodiversidade, abriga 129 espécie de aves, além de outras espécies de animais, inclusive ameaçadas de extinção, como o macaco-guigó.  

A Mata do Junco já ia tomando o mesmo fim dos Tabuleiros de Nossa Senhora quando o então governador Marcelo Déda criou o Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco. Através do Decreto 24.944 de 26 de dezembro de 2007, o governador garantia a proteção daquele pedaço de Mata Atlântica e seus recursos naturais, especialmente as nascentes do Riacho Lagartixo e o macaco guigó (Callicebus coimbrai), além de potencializar a realização de pesquisas científicas, educação ambiental e ecoturismo. A reserva contém aproximadamente 894,76 hectares, sendo assim o segundo maior remanescente de Mata Atlântica de Sergipe.

Hoje cedo ouço da voz do conterrâneo Lizaldo Vieira, ambientalista e militante social, um SOS Mata do Junco. Segundo ele a Mata estaria sendo destruída por caçadores e madeireiros, sem nenhum óbice ou resistência do poder público. Isso é resultado direto de um modelo de governo retrogrado, ultrapassado, que não respeita a natureza e é descompromissado com a sustentabilidade tão cobrada pela sociedade contemporânea. Só isso explica a extinção da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos pelo governo passado e ao que parece, política seguida pelo atual governo.

Em defesa da Mata do Junco e da vida, as entidades da sociedade civil, ambientalistas, sociedade sergipana e, especialmente, capelense, precisam se mobilizar e cobrar da prefeita, vereadores, deputados e, fundamentalmente do governador do estado, uma ação firme no sentido de enfrentar o atual descaso e abandono da unidade do Refúgio de Vida Silvestre e consequentemente combater com rigor os predadores, protegendo assim o Lagartixo, a Mata do Junco e a natureza.

02 março 2023

Assim nóis num progrede

 

Como todo bom velhinho eu durmo cedo e acordo com os galos. Invariavelmente, três e meia, estourando às quatro horas da matina já estou acordado. Para ficar bem informado minha primeira tarefa do dia é ler os jornais, sites, blogs, pasquins, panfletos, etc. O que vier eu traço. Sem deixar, claro, de beber minha dose diária de veneno nos grupos de WhatsApp. Leio, portanto, de um tudo. Da chamada “grande imprensa”, aos veículos locais. Confesso que fico melhor informado lendo a nossa imprensa conterrânea. Especialmente as colunas políticas. Um primor de jornalismo. Sou fã incondicional. E juro que não é bairrismo.

A nossa mídia nativa diz tudo que os jornalões do Centro Sul dizem e diz mais quatorze coisas. Que outra imprensa do mundo é capaz de passar recados de um político para outro através de seus colunistas? Publicar releases inteiros, sem ao menos corrigir os erros de português? Querem gesto mais democrático que esse? Imagina se um colunista do Washington Post ou do New York Times tem o faro, a inteligência, a perspicácia e a coragem de sugerir aos republicanos que não fazer oposição ao governo democrata de Joe Biden é bom para os EUA. Os caras são fracos demais. E ainda chamam aquilo de democracia.

O nosso jornalismo - à exceção de alguns poucos veículos que se mantêm fiéis a tese de George Orwell - já superou a máxima do escritor inglês há muito tempo. Afinal, para o bem de todos, temos a obrigação de esquecer nossas diferenças para vivermos em harmonia. Se existem alguns xiitas e outros chaatos de esquerda querendo contestar a paz dos cemitérios, nossos colunistas têm o dever de expô-los diariamente provando que aqueles estão errados. Concordo. Esse negócio de oposição é para gente que não sabe descer do palanque, e isso não é bom para nenhum governo. Olhemos para a Coreia do Norte, um exemplo de paz onde todos doam cabeças, troncos e membros para remarem na mesma direção. Penso que mais um pouquinho e chegaremos lá.

 

*O Ministério da Saúde recomenda: uma dose diária de ironia faz bem à saúde.

Gestos valem mais que palavras

  Vejam como o governo de Sergipe vai construindo narrativas para justificar suas reais intenções e como elas induzem a opinião pública ao e...