29 junho 2023

Depois de você, o dilúvio

 

Ontem, finalmente, tivemos um momento de forró a altura das tradições nordestina dos festejos juninos. Durante aproximadamente duas horas, o sanfoneiro Flávio José brindou o público do Arraiá do Povo com o seu bom e conhecido repertório e ainda nos brindou com clássicos do Rei Luiz Gonzaga e do não menos majestoso Trio Nordestino.

Antes do show, enquanto o roadie preparava o palco para Flávio e sua banda, o locutor destilava adjetivos politicamente incorretos ao anunciar que “o velhinho” – se referindo a Flávio José - já estava pronto para entrar em cena. Ou ainda quando se referia ao público presente chamando-o de veteranos. Atitude desnecessária e reveladora de despreparo de quem representava ali algo além de si mesmo. Afinal, era a voz do estado que organizava a bonita festa.

Sim, a plateia, apesar de muitos jovens presentes, era majoritariamente composta por uma geração mais madura e que viveu outros tempos de um São João raiz, genuíno, das fogueiras, do milho, da canjica, do quentão e do forró onde os casais dançavam agarradinhos. E foi isso que vimos ontem. Jovens e “veteranos”, como em outros tempos, dançavam, cantavam e sorriam como se vivessem um momento de encantamento. O único “arrocha” que havia era quando o passo do xote exigia uma maior aproximação dos corpos dos pares dançantes. Piseiro? Só quando ao dançar o xaxado se fazia necessário o pisar forte e variado no paralelepípedo batido da praça.

Sim, amigos, depois de ver na programação dos nossos festejos mais tradicionais, tantos atentados a nossa cultura, e de quase perder a esperança, vi ontem um milagre de São Pedro. Como dizia o sábio e eloquente povo da Lagoa do Meio, tivemos finalmente um “forró de mermo”. Um forró daqueles que o nosso Rogério eternizou nos versos do clássico Sergipe é o País do Forró:

Chega, pega a nêga e dança, entra no xodó.

É a noite inteira essa brincadeira é chamego só.

Comigo ontem, além da minha “morena”, parceira de salões desde que os primeiros acordes da sanfona de Flávio José ganharam o mundo, estava meu filho, um garoto, rapaz feito, roqueiro raiz, que me surpreendeu ao insistir em ir conosco ver o show na praça. É dele a frase que resume todo o sentimento que me assume no São João dessa quadra: “Flávio José é a abertura e o encerramento oficial do forró. O resto é farra”.

Por isso, quando Flávio José, já caminhando para o fim do show, perguntou em voz alta à produção quem viria depois dele para se apresentar, houve um breve silêncio na plateia, surpresa com a pergunta pois também não sabia. Eu, naquele átimo de tempo, lembrei da célebre frase de Luís XV, rei de França, e gritei alto:

- Depois de você, o dilúvio.  

20 junho 2023

Apagaram o candeeiro e derramaram o gás

 

O problema maior de ser jovem há mais tempo, não é só a limitação física, mas o anacronismo da alma. A memória do que se viveu de bom no passado vai se impondo como um padrão. Uma espécie de controle de qualidade. É aí que as novidades parecem estranhas. Por exemplo: quem se criou comendo cuscuz de milho ralado, ainda que continue gostando da iguaria, não se satisfaz plenamente quando a guloseima é feita com essas farofas sem gosto vendidas em supermercados, onde o sabor do cereal não passa nem perto.

Já que estamos falando em milho, lembro que estamos no mês de São João. Aí é que a danada da memória resolve me torturar. Para um nordestino, não pode haver nada melhor que tempo de São João. Natal, Ano Novo, Carnaval, são festas muito boas, mas as juninas são como diz aquele famoso jogador do Flamengo: ôto patamá. Se esse nordestino é da Capela então, aí nem se fala.

O São Pedro da Capela, já foi reconhecido pela ONU, FIFA, OTAN e até pelo Vaticano, como o Melhor do Mundo. Aliás, dizem lá na Rainha dos Tabuleiros, que o astronauta russo, Yuri Gagarin, o primeiro homem a conquistar o espaço, enquanto orbitava o nosso planeta declarou através do rádio, três frases sobre o que via lá do alto que ficaram para a história:

- Vejo a terra. Ela é azul. Também vejo o Mastro de São Pedro da Capela.

Sou do tempo que a festa era rica em manifestações culturais. Trago na memória a banda de Pife de Vadi de Juza à frente de um grupo de homens e mulheres bebendo e cantando alegremente desde a Sarandaia, no cortejo da Baiana, e na busca ao Mastro. No ano passado, depois de um longo tempo sem ir à festa da Capela, vi como aquele São Pedro da minha memória estava diferente. A grande novidade “cultural” é o surgimento de uma tal Rua do Fluxo onde, paradoxalmente, nada flui a não ser os altos decibéis dos paredões e seus sons incompreensíveis.

Não pretendo voltar lá esse ano. Não que não me anime a dançar um forrozinho com a patroa. Até comprei uma camisa xadrez e um roló para o xote e o xaxado. Mas confesso que quando vejo as atrações, não fico atraído. O baião cedeu lugar para um tal de piseiro e eu que já rebolei tanto pra sobreviver já não tenho mais molejo para esses novos ritmos.

Na semana passada arrisquei ir num forró no interior. Ali vou achar um forró de verdade, pensei eu. Quando lá cheguei pensei que tinha errado o lugar do forrobodó e entrado numa festa gótica. De camisa xadrez e bota de vaqueiro, só tinha eu. As mulheres, de todas as idades, vestiam o mesmo manequim. Blusas e saias pretas, curtíssimas, bem ajustadas ao corpo e todas maquiadas em tons retintos. No palco uma banda de funk, dava a letra – ininteligível – para a massa rebolar até o chão. Cheguei a pensar que tinha morrido e estava cumprindo meu itinerário para chegar ao céu, passando primeiro pelo purgatório. Ou seria o inferno?

Ainda não fui no Arraiá do Povo, mas já me disseram que se eu quiser ver um show lá, tenho que chegar por volta das 5h da tarde, depois disso já vou encontrar o lugar fechado. Também, pelo que disseram, meu dinheiro não dá. Uma latinha de cerveja por 10 reais e um espetinho de gato por 25, não é pro meu bico. Só vai me sobrar, talvez, spray de pimenta nos óio. Aliás, soube que o governador deu uma entrevista explicando o fato de a PM ter atirado spray de pimenta na massa que assistia ao show. Segundo ele, a briosa jogou o spray no chão, mas o vento, esse traquino, tratou de espalhar o gás de pimenta na cara do povo. Lembrei de um fato acontecido na Capela quando eu era adolescente. Bado de Zé Vaqueiro matou Vadinho de Agenor com um tiro no peito. Quando foi preso e perguntado pelo delegado sobre o ocorrido, Bado disse:

- Doutor, eu atirei na camisa dele, não tenho culpa se ele estava dentro.

Calma, Cocada!

  Havia um tempo em que as reações às movimentações políticas do PT eram sutis, maduras, comedidas, porque não dizer, mais inteligentes. Atu...