20 junho 2023

Apagaram o candeeiro e derramaram o gás

 

O problema maior de ser jovem há mais tempo, não é só a limitação física, mas o anacronismo da alma. A memória do que se viveu de bom no passado vai se impondo como um padrão. Uma espécie de controle de qualidade. É aí que as novidades parecem estranhas. Por exemplo: quem se criou comendo cuscuz de milho ralado, ainda que continue gostando da iguaria, não se satisfaz plenamente quando a guloseima é feita com essas farofas sem gosto vendidas em supermercados, onde o sabor do cereal não passa nem perto.

Já que estamos falando em milho, lembro que estamos no mês de São João. Aí é que a danada da memória resolve me torturar. Para um nordestino, não pode haver nada melhor que tempo de São João. Natal, Ano Novo, Carnaval, são festas muito boas, mas as juninas são como diz aquele famoso jogador do Flamengo: ôto patamá. Se esse nordestino é da Capela então, aí nem se fala.

O São Pedro da Capela, já foi reconhecido pela ONU, FIFA, OTAN e até pelo Vaticano, como o Melhor do Mundo. Aliás, dizem lá na Rainha dos Tabuleiros, que o astronauta russo, Yuri Gagarin, o primeiro homem a conquistar o espaço, enquanto orbitava o nosso planeta declarou através do rádio, três frases sobre o que via lá do alto que ficaram para a história:

- Vejo a terra. Ela é azul. Também vejo o Mastro de São Pedro da Capela.

Sou do tempo que a festa era rica em manifestações culturais. Trago na memória a banda de Pife de Vadi de Juza à frente de um grupo de homens e mulheres bebendo e cantando alegremente desde a Sarandaia, no cortejo da Baiana, e na busca ao Mastro. No ano passado, depois de um longo tempo sem ir à festa da Capela, vi como aquele São Pedro da minha memória estava diferente. A grande novidade “cultural” é o surgimento de uma tal Rua do Fluxo onde, paradoxalmente, nada flui a não ser os altos decibéis dos paredões e seus sons incompreensíveis.

Não pretendo voltar lá esse ano. Não que não me anime a dançar um forrozinho com a patroa. Até comprei uma camisa xadrez e um roló para o xote e o xaxado. Mas confesso que quando vejo as atrações, não fico atraído. O baião cedeu lugar para um tal de piseiro e eu que já rebolei tanto pra sobreviver já não tenho mais molejo para esses novos ritmos.

Na semana passada arrisquei ir num forró no interior. Ali vou achar um forró de verdade, pensei eu. Quando lá cheguei pensei que tinha errado o lugar do forrobodó e entrado numa festa gótica. De camisa xadrez e bota de vaqueiro, só tinha eu. As mulheres, de todas as idades, vestiam o mesmo manequim. Blusas e saias pretas, curtíssimas, bem ajustadas ao corpo e todas maquiadas em tons retintos. No palco uma banda de funk, dava a letra – ininteligível – para a massa rebolar até o chão. Cheguei a pensar que tinha morrido e estava cumprindo meu itinerário para chegar ao céu, passando primeiro pelo purgatório. Ou seria o inferno?

Ainda não fui no Arraiá do Povo, mas já me disseram que se eu quiser ver um show lá, tenho que chegar por volta das 5h da tarde, depois disso já vou encontrar o lugar fechado. Também, pelo que disseram, meu dinheiro não dá. Uma latinha de cerveja por 10 reais e um espetinho de gato por 25, não é pro meu bico. Só vai me sobrar, talvez, spray de pimenta nos óio. Aliás, soube que o governador deu uma entrevista explicando o fato de a PM ter atirado spray de pimenta na massa que assistia ao show. Segundo ele, a briosa jogou o spray no chão, mas o vento, esse traquino, tratou de espalhar o gás de pimenta na cara do povo. Lembrei de um fato acontecido na Capela quando eu era adolescente. Bado de Zé Vaqueiro matou Vadinho de Agenor com um tiro no peito. Quando foi preso e perguntado pelo delegado sobre o ocorrido, Bado disse:

- Doutor, eu atirei na camisa dele, não tenho culpa se ele estava dentro.

2 comentários:

  1. É, muito difícil viver, hoje, os festejos juninos. Tem de tudo, menos forró.

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