05 julho 2023

Jornalismo de sapatênis

 

Por Caio Ribeiro Santos*

Eu cresci assistindo senhores ranzinzas, com seus cabelos grisalhos e vozes moldadas pelo cigarro, discutindo futebol na televisão. Criança, eu não entendia muito bem o motivo deles serem tão contundentes, sorrirem tão pouco e não se perderem na festa do esporte. Hoje, percebo que eu não sabia nada sobre jornalismo, poder e futebol.

O futebol, muitas vezes, é a única felicidade dos infelizes que saem de casa para as arquibancadas “buscar a vitória que, lá fora, a vida lhe negou a vida inteira”, como dizia Armando Nogueira. As relações de poder são cruéis. Na luta de classes, manda quem pode, obedece quem tem juízo e bate de frente quem tem coragem. É a ferro e fogo que se cria a casca que eu via nos comentaristas da minha infância.

Mesmo com as caras fechadas em embates ferrenhos, a fala deles me lembrava a expressão do futebol: eles comunicavam numa lúdica representação do que era o esporte. Não tentavam agradar ninguém. Talvez por isso, por essa verdade e autenticidade que eles carregavam, me agradassem tanto.

Esse tempo passou. Em 04 de julho de 2023 - dia da Independência dos EUA -, a ESPN brasileira transmitiu um campeonato de “comer cachorro-quente” entre seus jornalistas. Uma mistura de complexo de vira-lata com um processo de Leifertização do jornalismo esportivo brasileiro.

Por falar em manda quem pode, essa “descontração” descontrolada - a Leifertização - que vemos hoje nos programas esportivos foi uma barreira rompida por Tiago Leifert. Tiago não é o dono, mas é filho dele. Seu pai, Gilberto Leifert, foi durante muito tempo um dos chefões da área de relações comerciais da Globo. Daí essa aproximação do futebol com o apelo à audiência, à publicidade, ao marketing e demais termos importados.

E a chuteira preta, em um passe de mágica, virou um sapatênis cor de burro-quando-foge. O futebol mudou. O jornalismo esportivo seguiu a onda. Estão, cada vez mais, amarrados a essas relações de poder. Talvez, espiritualmente, a minha jovem alma esteja se transformando em um senhor ranzinza, de cabelos grisalhos e voz moldada pelo cigarro. Só espero não ter que vendê-la por um hot dog, um par de sapatênis e um job qualquer.

 

*Caio Ribeiro Santos é estudante de jornalismo e filho do orgulhoso titular desse blog.

4 comentários:

  1. Excelente texto! Tiago Leifert é muito chato mesmo!

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  2. kkk Valeu a leitura e o comentário, Andrei. Abração

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  3. Os pais orgulhosos, sempre babam a inteligência dos filhos. Belíssimo artigo.

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  4. Verdade. Obrigado pela leitura e comentário

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